TESTE
Ana Júlia, 17 anos, Distrito Federal
"Eu tinha 15 anos quando ocorreu. Eu tinha acabado de me mudar de São Paulo para Brasília. Amigos novos, escola nova, não era bem o que eu desejava. Conheci Danillo poucos dias depois do meu aniversário. Ele tinha 21 anos. Era diferente dos outros garotos: maduro, carinhoso, inteligente e, principalmente, ele gostava de mim. O que me parecia difícil receber do sexo masculino, já que sempre fui motivo de chacota por causa do meu cabelo e peso. Passávamos dias inteiros conversando. Ele era tão engraçado, bom, doce. Eu gostava mesmo dele, como nunca havia gostado de nenhum outro crush. Inventamos nossas próprias linguagens, brincadeiras, mas, principalmente, dizíamos o quanto um era especial na vida do outro.
Porém, sempre que possível, ele batia na tecla de tentar me fazer abrir para ele. Por muitas vezes ele queria ver meu corpo, me tocar. Dizia que era por gostar de mim. Eu não deixava, porque sabia que ainda era muito menina e não estava preparada para aquilo. Nos primeiros meses ele demonstrou compreender e respeitar. Mas depois aquilo se tornou um inferno. Era chamada de fresca, chata e frígida. Eu concordava, porque via como brincadeira. Depois começou a me comparar com outras garotas, das que não negam sexo e são gostosas. Em seguida, virou acusações de não confiar nele, não gostar dele de verdade. Mas não cedi.
Ele desistiu e começou a se afastar lentamente, até que não tínhamos mais nenhum sentimento afetivo compartilhado. Aceitei e segui em frente. Foi aí que conheci Marcus. Ele era divertido, não tanto quanto Danillo. Era um pervertido, mas não me ameaçaria com isso. Não tentaria me forçar a nada e nem estabeleceria uma relação de falso amor. Acho que era disso que eu gostava nele. E dei para ele a mesma intimidade que Danillo tinha até então. No primeiro momento eu quis contar ao meu ex, para mostrar a ele que não era fresca. Ele surtou. Procurou motivos para me culpar. Mostrar que eu era uma garota nojenta, que só tinha usado ele. Eu estava confusa, não sabia o que fazer. Na hora, por impulso, pedi desculpas e prometi que ia me abrir para ele. Ele, então, deu algumas desculpas, de que não queria me obrigar a nada, mas aceitou a relação.
Me afastei do Marcus e voltei a me envolver com Danillo. Fomos tentando voltar o afeto aos poucos. Até que numa certa tarde ele pediu para tocar meu corpo, eu neguei. Ele disse que ia procurar outra garota. Fiquei insegura e, finalmente, cedi. Ele olhou o meu corpo, tocou. Tentou ser carinhoso. Eu só conseguia pensar que não seria mais rebaixada, machucada. Ficamos bem por dois meses. Mas será mesmo que alguém precisava ver meu corpo para gostar de mim? Por um tempo ele dizia o quanto tinha medo de me machucar, como se pedisse desculpas antes de cometer algo. Um dia ele saiu com várias garotas e me contou. Me desesperei e implorei que não me contasse aquilo. Ele respondeu que eu não era sua namorada. Era isso. Eu era apenas uma garota descartável. E quando eu negava sexo, não estava cumprindo meu papel direito. Eu era um objeto. Aguentei cada ofensa, cada garota que ele saiu. Tentei dar o máximo de amor, esperando que algum dia retribuísse. Isso me fez enlouquecer. Comecei a me mutilar, tive choro excessivo. E não podia contar aos meus pais, eles eram extremamente religiosos, a única culpada seria eu. Danillo percebeu o quanto aquilo estava ao extremo, que eu estava “louca”, carente. Ele pediu desculpas, disse que não dava para se manter comigo, pediu que eu me cuidasse e sumiu da minha vida.
Eu não tenho rosto, nome, nem sou a garota de algum filme romântico bobo. Sou escondida, rebaixada. A que só consegue servir para uma coisa, o sexo. Completamente um objeto. Nunca me vi acolhida. Atualmente, ainda sofro com alguns traumas. Entretenimento, jogos, filmes com sexo não monogâmico, garotas com relacionamentos perfeitos, garotas que preferem sexo casual, relações líquidas, são gatilhos muito fortes para mim. Lembrar que nunca chegarei a idealização de um relacionamento perfeito ou que sempre vou me limitar ao sexo casual. Como forma de melhorar meu estado sentimental, passei a estudar relações e amor, na literatura, sociologia. Me vi em Zygmunt Bauman ou em Os sofrimentos do Jovem Werther. Vivo razoavelmente, escrevo o que sinto para tentar entender o problema, mas sei que nenhuma forma de expressão será digna do que eu sinto."
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Lorrainy, 20 anos, Espírito Santo
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Alice*, 22 anos, São Paulo
"Tenho 22 anos e lembro exatamente tudo o que aconteceu desde os meus seis anos. Minha infância foi roubada. E o pior de tudo, por pessoas muito próximas. De quatro que cometeram os abusos/estupros, três são da minha família de criação. Assim que nasci o meu pai biológico não assumiu a paternidade. Minha mãe se envolveu com um rapaz que se tornou o marido dela pouco tempo depois. Ela foi morar com esse rapaz na casa dos sogros. Aprendi a chamá-lo de pai, pois ele ajudou a me criar desde os meus seis meses. Eles permaneceram casados por cinco anos.
Os abusos deram início logo após a separação. Meu pai foi morar no centro de São Paulo, minha mãe na região leste e eu permaneci com meus avós de criação. A primeira violência foi com meus seis, sete anos, cometido pelo caçula da minha avó. Ele devia ter uns 15 anos. Eu ficava num quarto que dava acesso ao quarto dele. Estava sonolenta, lembro dele se aproximando e eu tentando acordar. Ele desabotoou minhas roupas e tocou na minha genital. Lembro de me afastar. Ele colocava o dedo na boca, como se dissesse para eu ficar quieta. Isso aconteceu por repetidas vezes.
No segundo abuso eu tinha oito anos. Dessa vez quem cometeu foi a irmã do meu pai de criação. Lembro que me senti segura por dormir no quarto das meninas. Era de madrugada quando ela começou a me acariciar. Enfiou a mão no meu short, passou a mão nas minhas nádegas e tirou. Em seguida ela colocou a mão por dentro da minha camisa e apertou meus seios, lembro que senti dor, ela se assustou e virou para o canto da cama.
O terceiro agressor foi meu avô de criação. Estava com nove anos. Lembro que estava brincando pela casa com uma lanterna. Entrei no quarto onde meu avô estava. Como ele só deixava a claridade da televisão, achei que era o lugar ideal para brincar. Estava brincando de olhar o que tinha entre o guarda-roupas e a parede, quando senti uma mão me tocando a genital. Saí do quarto assustada. Quando fui tomar banho, minha outra tia (sem ser a que cometeu o segundo abuso) entrou no banheiro. Eu falei para ela que meu vô tinha me tocado, enquanto apontava para minha genital. Que além de doer, saiu sangue. Imaginei que ele tivesse me machucado. Não passou pela minha cabeça que ele poderia ter tirado minha virgindade. Eu não sabia o que estava acontecendo.
Meus pais me visitavam, me ajudavam, mas nunca souberam de nada do que aconteceu. Lembro que na primeira agressão comentei com minha vó a respeito, mas não sei se ela entendeu do que se tratava. Um pouco antes de fazer 10 anos fui morar com minha mãe. Sempre senti vontade de contar o que passei, mas como eu tinha dito para minha tia e avó e nada tinha acontecido, achei melhor não contar. Acreditei que ficaria por isso mesmo. Ou que não iam acreditar em mim, muito menos que se tratava de estupro.
O quarto e último aconteceu quando eu ainda tinha nove anos, prestes a completar 10. Minha mãe trabalhava à noite em uma padaria. Ela morava na casa de uma senhora, com quem eu ficava enquanto ela trabalhava. Na casa de cima morava um viúvo com seu filho, de aproximadamente 14 anos. Lembro que assim que minha mãe foi trabalhar esse menino me chamou para brincar. Ele trouxe para a sala os carrinhos e bonecos. Em determinado momento ele chamou para ir ao seu quarto, mas falei que não. Ele insistiu para irmos buscar o restante dos brinquedos, então eu fui. Aos entrarmos, ele pegou uma coberta, colocou sobre os seus ombros e me abraçou por trás. Tentei sair, mas ele era mais forte. Ele conseguiu me deixar debruçada sobre a cama, de costas para ele. Ele abaixou a calça dele e a minha e encostou o órgão genital nas minhas nádegas. Eu tentei sair, porque aquilo me remetia a tudo o que já tinha me acontecido. Falei para ele sair. O pai, que estava no quarto ao lado percebeu, mas não apareceu. Acredito que seja porque ele usava muletas.
O tempo passou, minha mãe se restabeleceu e conseguiu alugar uma casa. Eu cresci com traumas, medos. Passei a desacreditar nas pessoas à minha volta. Ninguém mais soube desses casos. Os que souberam, negligenciaram. Aos 10 anos, conheci meu pai biológico e sua família. É um absurdo, mas estranhei que ninguém da família dele tentou fazer maldade comigo, não fui violentada por mais ninguém. Hoje, eu estudo psicologia. O objetivo de ter escolhido esse curso é para que pessoas que passaram por isso e outras coisas tenham coragem de falar. O que aconteceu comigo, infelizmente acontece em diversas famílias.
Eu criei aversão a voltar ao mesmo lugar onde tudo isso aconteceu, tanto que, por exemplo, vai fazer um ano que não vou visitar minha avó. Não sinto vontade de ir. Em alguns momentos pensei em denunciar, mas o que me fez recuar foi a questão de como eu ia provar. Eu já fui no psicólogo, mas nunca falei o que aconteceu e eu acho importante esse apoio psicológico porque não sei se esses fatores interferiram na minha personalidade. A personalidade da criança se forma justamente no período em que aconteceram esses episódios, acho importante saber se devido a isso alterou a perspectiva que eu tenho da realidade." *nome fictício para preservar a identidade da vítima.
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Marcela*, 29 anos, Minas Gerais
“Fui vítima de violência duas vezes na minha vida. A primeira com o meu ex-namorado onde eu vivi a maior parte das violências: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. Por eu ter uma deficiência ele se aproveitou de todas as minhas fraquezas de histórias passadas e usou isso pra me manipular, mas graças a Deus e com o apoio da minha família fiz a denúncia e hoje não tenho mais nenhum vínculo com esse homem.
O segundo caso foi estupro. Aos 29 anos. Eu conheci o rapaz pela internet e fomos em um encontro em lugar público, lá estava tudo bem, mas a agressão começou a acontecer quando ele colocou boa noite Cinderela na minha bebida e eu fiquei desacordada, fui levada sem consciência para um motel, quando chegamos lá eu passei mal, vomitei tudo, ele ficou bravo, eu tentei reagir e ele me bateu. Fez tudo que queria e depois me jogou no táxi como uma puta. Fui direto pro hospital morrendo de dor.
Os primeiros cinco meses depois do trauma foram bem difíceis, eu não conseguia sair de casa. Não tive vontade de denunciar. Hoje, tenho um trauma de não conseguir confiar em ninguém e não consigo fazer sexo. Adquiri o hpv e isso acabou com a minha vida. Não tenho mais autoestima. Atualmente, falo abertamente sobre isso, mas os primeiros cinco meses foram bem difíceis. Não queria sair de casa. Tenho acompanhamento psicológico, faço terapia até hoje.” *nome fictício para preservar a identidade da vítima.
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Camila, 24 anos, Minas Gerais
Recado para mulheres
Como foi narrar na presença de um homem?
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