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TESTE

Ilustração: Janaína Oliveira

Valentina*, 28 anos, Minas Gerais

    "Eu tinha 19 anos. Saí de uma festa em uma república em Ouro Preto, já era madrugada, dia 09/09/09. Indo embora, resolvi ir a pé, já que minha irmã morava bem próximo da feira de pedra sabão e eu estava na rua direita. Eu, naquela pequena rua ao lado da Igreja São Francisco, olhei pra trás e vi um homem de longe. Apertei o passo mas numa fração de segundos ele estava atrás de mim e disse ‘eu quero você’ e me deu uma rasteira.

    Naquele momento eu pensei  ‘eu vou morrer, mas vou morrer lutando’. E assim foi: houve luta corporal, mas ele me venceu. Gritei por socorro, até que um morador ouviu e chamou a polícia (relatos da testemunha). Eu desmaiei e só lembro de me sentir sendo arrastada. Acordei e ele estava sendo algemado pela polícia, minhas roupas sujas de terra, meu maxilar quebrado e meu rosto desfigurado a ponto de não conseguir ser reconhecida pelas pessoas que iam me visitar no hospital. A polícia chegou a tempo do flagrante, mas o que aconteceu entre esse tempo, eu não sei. Mas foi estupro.

    Ainda na UPA de Ouro Preto, meu pai chegou (ele morava em BH) desesperado e eu só conseguia pedir perdão pra ele. Até que ele me disse ‘a culpa não foi sua’. Infelizmente, o estuprador foi solto. Meu pai e meus tios começaram ali uma luta contra o tempo para colocá-lo novamente preso. Acontece que os policiais que o levaram a delegacia, tiveram a seguinte resposta do delegado, ‘não aconteceu nada, pode soltar’. Ninguém entendeu o real motivo disso. Ele foi solto. Meu pai foi até a casa da Juíza da época e contou a história. Ela ajudou meu pai. Saiu um mandado de prisão e ele foi preso tentando fugir de Ouro Preto. Ele ainda está preso, pegou pena máxima e será solto em 2019.

    Bom, sabe o Delegado que mandou soltar o estuprador? Então, em 2013 ele foi preso por matar a namorada de 17 anos. Foi julgado pela mesma juíza que ajudou a mim e ao meu pai. O estuprador que me violentou tinha mais boletins de ocorrência por tentativa de estupro mas nunca havia sido preso.
    Depois do trauma minha vida mudou muito, principalmente minha perspectiva sobre a violência de gênero e as dificuldades da mulher ter liberdade. Na época, fui encaminhada para a terapia, junto com os remédios contra DST's, e mesmo com auxílio profissional  que tive, o abuso nunca foi um diálogo fácil pra mim, apenas familiares e amigos próximos sabem. Nunca escondi de ninguém, apenas é difícil falar a respeito, porque é algo que eu nunca vou apagar da minha história, faz parte de mim. Ao mesmo tempo que me fez ser mulher mais forte, me fez ser uma mulher receosa, ansiosa, preocupada e desconfiada.

    O que aconteceu comigo nunca vou esquecer. Todos os dias é um ato político sair da cama e enfrentar esse mundo tão machista. Ficar internada um mês, tomar o coquetel de prevenção, ir a terapia… E até hoje, relembrar isso tudo, diariamente, é como se eu fosse violentada todos os dias." *nome fictício para preservar a identidade da vítima

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